Quando falo que a arquitetura que mais me atrai é aquela que é simples, não quero dizer que gosto das coisas desprovidas de complexidade, ou demasiadamente mínimas. Gosto sim, daquela arquitetura construída de forma elementar, ou seja, sem que o supérfluo interfira na sua constituição, fazendo da pureza dos volumes sua maior virtude.
Digo isso porque para mim, arquitetura é feita de luz e sombra. Somente a partir dos efeitos da iluminação nas superfícies das construções – e quanto mais elementar o plano melhor a luz irá incidir – é que podemos interpretar seu desenho e apreciar sua beleza.
Sempre lembro de um professor que um dia me disse que um dos problemas do português (não o de Portugal, mas o nosso brasileirês mesmo) é que ele concentra muitas interpretações em uma só palavra. Assim, quando falamos em arquitetura simples, a maioria das pessoas pensa numa obra sem graça, sem efeitos, sem vida.
Mas pelo contrário, a simplicidade da arquitetura é uma das maiores virtudes de um projeto, pois se elementos simples são arranjados da forma adequada, os efeitos serão espetaculares, mesmo que todo o edifício possa ser definido como “elementar”.
Como exemplo, apresento um projeto residencial de autoria do arquiteto paulistano Marcio Kogan. Construída em Brasília, a planta Casa Osler pode ser definida como uma “T”, onde o segundo pavimento se arranja de forma perpendicular em relação ao térreo, criando uma relação simples porém marcante entre as partes do edifício.
Outra característica fundamental é a riqueza dos detalhes em prol de uma volumetria extremamente elementar.
Quando o simples é belo, tudo fica mais fácil.
Esta semana um colega me perguntou o que eu achava a respeito do minimalismo, um conceito que normalmente é remetido a espaços ou lugares compostos por um mínimo de elementos construtivos.
Minha primeira reação foi comentar que, primeiro de tudo, devemos abandonar a idéia do minimalismo como estilo para considerá-lo como uma maneira de pensar em relação ao espaço, onde suas proporções, superfícies e o modo em que deixa passar a luz, resulte na expressão simples de um pensamento complexo.
Digo isto porque um dos grandes equívocos em relação aos espaços mínimos é que estes são geralmente associados a movimentos onde a renúncia constitui um aspecto essencial. Porém, o minimalismo nunca deve ser visto como uma arquitetura privativa, abnegada ou ausente, pois não é definida pelo que falta, mas sim pelo caráter acertado do que está presente. Em outras palavras, não se trata de estabelecer uma arquitetura de privação, mas sim de criar contextos idôneos para as coisas que importam no espaço, reduzindo os elementos de aparência para aquilo que é fundamental.
Geralmente, as pessoas tendem a centrar-se na idéia da renúncia como se, em certo modo, se tratasse somente de se desfazer dos móveis e pintar as paredes de branco. Em contrapartida para mim, a qualidade deste tipo de espaço não reside na negação, mas sim na total clareza visual, onde o olho, a mente e o corpo estão cômodos, sem nada que distraia o pensamento. É colocar ênfase na qualidade das experiências sensoriais, colocando sempre o indivíduo no centro.
Vivemos preocupados por idéias em relação ao futuro quando, em realidade, tentamos constantemente fazer com que o presente nos pareça sempre novo e atraente. Na arquitetura isto se traduz em contínuos programas de reformas, onde mudamos tudo ao mesmo tempo em que nada. Se o motivo do nosso interesse pelo futuro é o desejo de lograr um presente que nos satisfaça – no plano físico, visual e psicológico – é possível desenvolver formas perpetuamente interessantes, que existam a margem da influência da moda e do passar do tempo? Isto é o que, na minha opinião, a estética da simplicidade, com seu vasto potencial de riqueza e sensualidade, nos oferece.
Autor: Rafael Spindler
O Arquiteto Rafael Spindler também é responsável pelo projeto racional, que incorpora alta tecnologia visando a sustentabilidade, o Residencial Piazza San Marco que estabelece um novo conceito de morar, onde, entre tantas outras coisas, a integração entre o passado e o presente determinam um ambiente inspirador.
A historiografia recente mostra que o desenvolvimento da arquitetura no Brasil está estruturado basicamente a partir da importação sistemática de um repertório de projetos construídos no hemisfério norte. Esta característica faz com que o mercado gere uma constante expectativa em relação à produção estrangeira, com o objetivo de obter uma coleção de modelos para a produção nacional.
Então fica a questão: Ao copiarmos estes exemplos, obteríamos o mesmo sucesso encontrado com os edifícios dos países Europeus?
É evidente que não. E isto pode ser explicado simplesmente pelo fato de que cada elemento proposto é o resultados de profundas e específicas reflexões ante os problemas encontrados apenas no lugar em que foram projetados. Ao reproduzir estes objetos em condições distintas, estaremos desrespeitando as características de cada cidade, criando uma arquitetura artificial e sem nenhum vínculo com o lugar.
Isto não quer dizer que não devemos analisar o que se concebe fora de nosso país, mas sim, que tenhamos uma grande capacidade de discernimento perante o mercado internacional, de modo a reinterpretar os resultados de acordo com as necessidades de nosso território.
É importante entender que o objetivo da arquitetura não é a busca pelo inovador ou o insólito. Estas características geralmente resultam em edificações confusas, que somente alimentam o caos contemporâneo encontrado nas cidades brasileiras.
Buscar inspiração em outras arquiteturas não deve resultar na cópia da mesma, mas sim, na eleição dos critérios que obtiveram êxito neste contexto, tomando-os como base para a criação de novos edifícios.
Antes de copiarmos a forma, devemos reproduzir os princípios.
Um excelente exemplo de reinterpretação é o projeto do MASP de autoria da arquiteta italiana radicada no Brasil, Lina Bo Bardi. Sua estrutura formal, resultado da exteriorização dos elementos de apoio em benefício da criação de um espaço interno totalmente livre, pode muito bem ter sido derivado do projeto do Crown Hall para a cidade de Chicago, uma das obras primas do arquiteto alemão radicado nos EUA, Mies van der Rohe.
Autor: Rafael Spindler
O Arquiteto Rafael Spindler também é responsável pelo projeto racional, que incorpora alta tecnologia visando a sustentabilidade, o Residencial Piazza San Marco que estabelece um novo conceito de morar, onde, entre tantas outras coisas, a integração entre o passado e o presente determinam um ambiente inspirador.
Uma cidade, geralmente consiste no agrupamento de áreas de funções diversas, dentre as quais podem-se destacar aquelas residenciais, comerciais e industriais, assim como as zonas mistas (principais caracterizadoras das cidades contemporâneas). No geral, uma grande parte de uma cidade é ocupada primariamente por estabelecimentos residenciais e é sobre esta parte que gostaria de centrar meu raciocínio.
Uma das atribuições da arquitetura associa-se diretamente ao problema da organização do homem no espaço, principalmente no espaço urbano. Isto faz com que a cidade seja estruturada por uma série de elementos que se inter-relacionam de forma a propiciar as mínimas condições para que se possa usufruir de maneira qualitativa deste espaço.
Do conjunto arquitetônico que forma a cidade, não poderíamos deixar de destacar aquele grupo que constitui parte fundamental na concepção de qualquer metrópole: os edifícios residenciais. O projeto de uma residência é um tema universal e possui um programa de necessidades similar em todo o mundo. Porém, mais do que uma fria lista de espaços e áreas mínimas, um programa arquitetônico deve ser visto como uma relação de ações humanas, onde a qualidade do projeto não se limita somente à resolução de destes problemas. O sucesso de qualquer empreendimento residencial deve extrapolar os limites internos do próprio edifício para compor junto com os demais elementos da cidade, espaços de qualidade.
Para que isso se torne uma realidade, deve haver uma total integração entre arquiteto, empreendedor e poder público, pois estes devem estar sincronizados na busca pelo equilíbrio entre um satisfatório empreendimento imobiliário e uma excelente composição urbana. É fundamental entender que o edifício residencial não é objeto de concurso de beleza na cidade. A qualidade de um projeto inicia no momento em que este responde de maneira eficaz a um problema específico do lugar, compondo relações coerentes com o entorno construído. Se não for assim, a edificação ignora a hierarquia natural dos componentes da cidade e contribui para exacerbar o caos visual contemporâneo.
Algumas regras extremamente simples podem auxiliar na composição de uma arquitetura residencial correta e de qualidade:
* O edifício residencial não é formado apenas por frente e fundos, mas sim, tratado como um objeto completo, irradiando sua arquitetura por todos os lados, sem distinção ou privilégios;
* O projeto deve ser uma resposta lógica a um problema específico do local onde está inserido. Deve levar em conta as características do lugar de modo a convertê-las em regras coerentes que auxiliam na composição do novo edifício;
* A repetição de modelos pré-existentes deve se restringir a partes do edifício, que não propriamente caracterizam o todo. Em outras palavras, deve-se reproduzir seu principio formal, que é diferente da forma propriamente dita;
* Grandes afastamentos propiciam as edificações mais altas um aspecto menos agressivo sobre o usuário. A construção em altura deve ser vinculada com grandes espaços livres em torno da torre.
Este edifício é um interessante exemplo na busca por formas inusitadas e equilibradas com o entorno. As fachadas laterais relacionam-se diretamente com as demais construções do bairro de modo a promover uma maior liberdade formal junto à esquina, sem comprometer o conjunto urbano.
Em certos casos, a força do entorno é tão forte que algumas propostas optam pela simplicidade formal, estabelecendo relações entre os demais edifícios de maneira extremamente benéfica.
Autor: Rafael Spindler
O Arquiteto Rafael Spindler também é responsável pelo projeto racional, que incorpora alta tecnologia visando a sustentabilidade, o Residencial Piazza San Marco que estabelece um novo conceito de morar, onde, entre tantas outras coisas, a integração entre o passado e o presente determinam um ambiente inspirador.