Bjarke Ingels e sua arquitetura hedonista
Casa Vogue falou com o dinamarquês do BIG.
Líder do escritório dinamarquês BIG e um dos mais promissores arquitetos da atualidade na Europa, Bjarke Ingels está na pauta do dia no Brasil. Seu sócio, Kai-Uwe Bergmann, participa este mês da Kitchen & Bath, feira internacional de produtos e acessórios para cozinha e banheiro em São Paulo. Aproveitamos a passagem para conversar com Bjarke sobre o país, arquitetura e hedonismo. Vencedor do European Prize for Architecture de 2010, ele tem apenas 38 anos de idade, mas é reconhecido por defender ideias como a inclusão da arquitetura na grade de matérias das escolas fundamentais e secundárias, e por realizar projetos que conciliam sustentabilidade e qualidade de vida.
Representante de uma nova geração, Ingels nasceu em Copenhague, estudou arquitetura na Royal Academy da cidade e na Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona. Trabalhou com Rem Koolhaas, na Holanda, mas retornou para a Dinamarca, onde fundou o estúdio Plot, que recebeu um Leão de Ouro na Bienal de Arquitetura de Veneza de 2004 pelo projeto de uma sala de música na Noruega. Eem 2006, Ingels fundou o escritorio BIG que, como o próprio nome diz, propõe que as pessoas pensem grande. Os projetos mais celebrados do novo ateliê estão na Dinamarca: um conjunto de 80 apartamentos chamado The Mountain e o edifício 8, com um suave caimento que permite pedalar do térreo até a cobertura. (FABIO DE PAULA)
Você já veio ao Brasil mais de uma vez. Qual é a sua relação com o país?
Em 2001, eu ganhei uma competição promovida pelo arquiteto dinamarquês Henning Larsen. Com o valor do prêmio, mais ou menos 10 mil dólares, viajei ao Brasil, porque eu tinha o desejo de conhecer sua tradição arquitetônica. Fui em busca do trabalho de Lina Bo Bardi, Oscar Niemeyer, Vilanova Artigas, Affonso Reidy e Paulo Mendes da Rocha. Na ocasião, passei por São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília, e terminei a viagem na Ilha Grande. Também conheço a Argentina e a Bolívia.
Quais arquitetos brasileiros da sua geração você conhece?
Conheço o trabalho da Triptyque Arquitetura, e do escritório Eduardo Mondolfo Arquitetos, com o qual trabalhamos juntos no projeto para o Concurso Porto Olímpico do Rio de Janeiro.
E além deste projeto, o BIG está envolvido em mais algum trabalho no Brasil?
Eu voltei ao Brasil em 2010 para apresentar palestras e participar de encontros de negócios. Em apenas 48 horas, tive reuniões bastante promissoras com alguns empresários, mas não posso revelar seus nomes. De qualquer forma, eles se mostraram muito interessados em nosso trabalho, e eu estou bem entusiasmado com a possibilidade de fazer projetos no país.
O principal motivo de minha vinda ao Brasil teve a ver com um projeto de intercâmbio universitário em que meus alunos da Faculdade de Design de Harvard pretendem avaliar os impactos econômicos, sociais, ambientais e urbanísticos da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 especificamente na cidade do Rio de Janeiro.
Como você avalia nossa arquitetura?
Hoje, para mim, a melhor definição para a arquitetura brasileira é o termo “modernismo hedonista”. O modernismo está lá em sua manifestação mais pura. Mas, ao contrário da tradição anglo-saxã, que reduziu as construções a caixotes monótonos, no Brasil você encontra um modernismo expressivo, imaginativo, provocativo.
E o que você viu no Brasil que tenha avançado deste modernismo? Muita coisa mudou desde o surgimento do modernismo brasileiro a que você se refere.
Ao sobrevoar São Paulo, você vê essa paisagem infinita de edifícios de altura mediana, muitos deles bastante novos e inexpressivos. O problema é que os arquitetos sempre acreditam que o lugar onde eles vivem é o pior. Na Dinamarca, por exemplo, nos últimos dez anos foram realizados muitos projetos úteis e instigantes, mas, a meu ver, 90% do que se constrói ainda é lixo.
O que você quer dizer com “modernismo hedonista”?
Não é um modernismo triste, pragmático, que repete modelos. A primeira vez em que eu vi a arquitetura de Ipanema e Copacabana, associei o modernismo brasileiro aos mulatos – é uma mistura de todos os tipos de culturas. O modernismo que você vê ali mistura materiais, formas, cores, e é uma arquitetura totalmente hedonista, no sentido de que é voltada para a diversão, para o lazer. É uma infraestrutura criada para a felicidade – algo pensado no modernismo pioneiro. As coberturas em laje, por exemplo, não foram criadas apenas para trazer soluções mecânicas – elas foram originalmente pensadas para serem sempre usadas como terraços, para o lazer dos moradores.
Você associa o “modernismo hedonista” à arquitetura carioca, mas diria que o hedonismo está presente no modernismo praticado na cidade de São Paulo?
Em São Paulo, o brutalismo é mais notável, a infraestrutura é claramente pensada para as questões sociais. E meu arquiteto preferido do Brasil é Lina Bo Bardi. Você pode notar a preocupação social da arquitetura paulista em seu projetos, como o Masp, com seu imenso vão livre idealizado para que as multidões pudessem se reunir ali, e nas imensas salas de exposição, com aqueles delicados suportes para as obras de arte. É uma pena, aliás, o que fizeram com aquele modelo de exposição – a solução atual, com essas paredes brancas, faz com que o interior do museu se pareça com um conjunto de vestiários. De qualquer forma, após sua temporada em Salvador, Lina volta para São Paulo, e pratica o que chamava de “arquitetura pobre”, algo que me interessa muito, com essa simplificação absoluta dos espaços, e que pode ter um resultado magnífico, como é o caso do Sesc Pompeia, com seu genial esquema de ventilação. Minha impressão é de que a arquitetura paulista é mais sóbria, mas não menos inventiva.
E você concorda com essa associação que se faz entre a atual arquitetura praticada na Dinamarca e a sustentabilidade?
Eu sou muito crítico com relação ao meu país, mas devo reconhecer que a Dinamarca é provavelmente a nação que mais conseguiu se aproximar do socialismo: é uma economia de livre mercado, mas com educação gratuita, amplo serviço social, hospitais são gratuitos, onde o governo paga para os estudantes concluírem seus estudos. Em Copenhague, 90% do território é servido por ciclovias e os canais são tão limpos que qualquer um pode nadar neles. Os dinamarqueses têm uma preocupação genuína com o meio ambiente e as questões sociais – e é justamente quando saímos do país que mais nos damos conta disso. Para se ter uma ideia, apenas 4% do lixo produzido no país vai parar em aterros. Chicago, que é uma cidade ambientalmente correta pros padrões norte-americanos, destina 85% de seu lixo aos aterros. Enquanto isso, na Dinamarca, 42% do lixo é reciclado e 54% é usado na geração de energia. É um país com problemas como qualquer outro, mas é realmente avançado em termos de preservação – e isso está presente na nossa arquitetura.
O hedonismo é um dos elementos que compõe o o que você chama de “Think Big” (Pense Grande). Como aplicar isso em outras partes?
Na Dinamarca, a construção da infraestrutura sempre tem uma preocupação social, mas essa postura inventiva nem sempre está presente como na arquitetura paulista. Criamos o termo “sustentabilidade hedonista”, que é uma das bases do “Think Big”, vislumbrando algo que tem preocupação social, mas é voltada para a diversão, exatamente como a arquitetura carioca, e engloba a preservação do meio ambiente. Pensamos na infraestrutura tendo como objetivo a felicidade de seus usuários. Afinal, a sustentabilidade não deveria ser o quanto de qualidade de vida nós temos que abrir mão, não deveria ser um fardo na vida das pessoas. A sustentabilidade não precisa ser como um valor protestante, que estabelece que tudo que lhe faz bem necessariamente tem que lhe causar alguma dor. A sustentabilidade, tanto nos edifícios quanto nas cidades, pode significar um aumento de qualidade de vida.
E quais as outras bases do “Think Big”?
Eu diria que nossa filosofia de trabalho é produzir arquitetura com uma atitude sempre otimista diante dos desafios propostos. Em vez de transformar qualquer projeto em um dilema político ou moral, nós nos concentramos no tipo de vida que os usuários terão no projeto construído, de forma que eles encontrem ali aquilo que eles desejam. E projetamos de um modo a não punir o planeta, afinal não há nada de bom em poluir os oceanos a ponto de você não poder nadar neles, certo? Isso é terrível demais. O hedonismo é isso – aproveitar a vida, passear pela cidade de bicicleta, em vez de ficar preso em um congestionamento dentro de um automóvel.
E como pensar grande em um país como o Brasil?
Lina Bo Bardi certamente fazia isso. Mas Brasília, mesmo com alguns edifícios espetaculares, me parece um exagero de escala, é um lugar que pode ser desolador. Para mim, a obra de Oscar Niemeyer tem sua redenção no edifício Copan, aqui em São Paulo, e em Belo Horizonte. Gosto do conjunto da Pampulha, mas o que mais me chama a atenção é uma pequena escola pública [o arquiteto se refere à Escola Estadual Governador Milton Campos, projeto de 1954, também conhecido como Colégio Estadual Central]. Um ótimo exemplo daquilo que se aplica ao “Think Big” como um todo. No projeto de arquitetura, a prioridade não é todos terem acesso ao mínimo, mas todos terem acesso à felicidade.
E como pensar grande com pouco dinheiro? É possível criar projetos, com conceitos como sustentabilidade hedonista, tendo poucos recursos financeiros?
A estratégia em qualquer projeto é alcançar o máximo dos efeitos e significados esperados. Quando se pensa arquitetura com poucos recursos, você deve estabelecer prioridades diferentes, mas isso não quer dizer que os efeitos devem ser menos relevantes. O arquiteto deve listar todos os desafios que o programa lhe apresenta, e saber atingir o efeito desejado a partir do desenho, mesmo com pouco dinheiro. No caso do Brasil, há duas questões a se considerar: é um país insanamente rico, mas com muita pobreza. Sua economia é maior do que a de todos os demais países latino-americanos somadas. Em um país como esse, o artifício é saber aproveitar o investimento que se faz. Quando você aplica recursos em uma rodovia, por exemplo, você não está apenas criando uma solução de transporte. Você tem a pobreza, e com ela as favelas que podem surgir na beira da estrada, os sem-teto que poderão passar a morar embaixo das pontes. Por que não associar novas funções a essas pontes que ofereçam condições a essas pessoas de vencer a pobreza, tanto no que se refere a moradia e trabalho, mas também a lazer? Por que não pensar nisso de maneira sustentável?
Mas a arquitetura não é capaz de mudar sozinha a realidade social de um país do tamanho do Brasil.
Eu não tenho essa ilusão messiânica de muitos arquitetos, mas acredito que todos nós, de alguma forma, quando nos deparamos em projeto com algum desafio social, tentamos maximizar o potencial de que dispomos. Outro elemento do “Think Big” – a utopia pragmática – fala justamente disso. É o oposto do modernismo utópico, que imaginava soluções universais, que dizia que tudo deveria ser igual, que fez Le Corbusier apagar Paris em projeto e criar uma seqüência de arranha-céus sobre uma grelha de quarteirões retangulares. A utopia pragmática, por outro lado, cria soluções pontuais, mas economicamente viáveis e ambientalmente corretas. Uma solução para cada desafio, somadas umas às outras – é assim que poderemos mudar a sociedade. Se os arquitetos, porém, continuarem sempre pensando em soluções universais, eles não chegarão a lugar nenhum. (Fonte: Glogo e Casa Vogue)
Deixe um Comentário